Todos nós já aprendemos coisas substanciais na internet em cursos espalhados pelo mundo e ministrados por excelentes instituições — eu mesma tive a oportunidade de aprender sobre desenvolvimento sustentável na Universidade de Michigan sentada no conforto do meu quarto e foi uma boa experiência.

Por isso, o ponto desse texto não é desmerecer o curso online e sim questionar a forma como aprendemos digitalmente introduzindo o conceito de comunidades e seus efeitos em engajamento. @Cousera, pode ficar tranquila, mas nem tanto.

Indo direto ao ponto,

O sucesso do curso online depende de uma variável incontrolável

Podemos revolucionar as plataformas, ser mobile first, ter um conteúdo excelente, mas existe uma variável constante no desenvolvimento do nosso conhecimento que não conseguimos controlar: o hábito — que depende intrinsecamente de você e da sua disposição.

E isso é um problema quando olhamos para o modelo tradicional dos cursos online que, de uma forma majoritariamente unilateral, fornece acesso a aulas gravadas e materiais de apoio com pouca ou nenhuma forma de engajamento para que os alunos completem o processo — datas limites não contam porque servem mais como forma de pressão do que qualquer outra coisa.

Quer um exemplo prático?

Esse é o principal motivo de você ter o Duolingo instalado no seu celular e não praticar, mesmo com a experiência excelente que o aplicativo trás, incluindo gamificação e lembretes diários para impulsionar o seu uso. Não adianta, depende de você e virou até meme:

Um vídeo com mais de 7,5mi visualizações e 400k likes que satiriza a tentativa frustrada de fazer com que você use o App todo o dia.

O que nos leva ao segundo ponto: se um bom UX, conteúdo, plataforma não garantem a completude do curso, o que está faltando?

O engajamento é mais garantindo em comunidade

Para qualquer coisa dar certo, você precisa querer estar lá. Isso se aplica a relacionamentos, trabalho, academia e quando aprendemos algo novo também. Concorda?

Dito isso, infelizmente, não é todo mundo que tem a automotivação como ponto forte, conseguindo se manter em processos sendo sua própria fonte de engajamento — é sobre isso e tá tudo bem.

Quando estamos aprendendo, as primeiras semanas são essenciais até o desenvolvimento do novo hábito e uma forma muito potente de engajamento é pertencer a uma comunidade que te impulsione e acolha para que você permaneça ali, progredindo.

Conseguimos visualizar isso muito bem no âmbito dos exercícios físicos. Eu adoro praticar esporte, por exemplo, e na pandemia isso se tornou um grande desafio. Como sou muito apegada a lugares físicos, me exercitar em casa parecia impossível — nenhum estímulo em pegar o meu colchonete e encarar o teto da minha casa por horas.

Isso me fez começar a pesquisar o que as outras pessoas estavam fazendo e descobri que duas amigas tinham entrado para uma comunidade fitness com mais de 50mil alunas ao redor do mundo, com aulas acontecendo somente através de lives. Testei e aderi. Ainda sinto falta da minha academia, mas o processo tem sido muito mais prazeroso e constante.

Dá uma olhada e me diz se não dá vontade de se movimentar:

Interagir com outras pessoas e perceber que o desafio e sensações eram parecidos com os meus foi o meu principal fator de engajamento na introdução da minha prática no esporte remoto. E essa é a ponta do iceberg para uma nova mentalidade que coloca a comunidade no centro da estratégia de negócio.

O efeito "community" deixou de ser superficial e virou estratégia de negócio

Vamos fazer um exercício. Abra o seu LinkedIn e digite "community" em pesquisar filtrando o resultado pelo campo pessoas. Você encontrará mais de 24mi. de pessoas com seus cargos atrelados a esse conceito:

  • Community Lead
  • Community Manager
  • Community Partnerships e etc.

Essas posições são relativamente recentes e tem, na maioria das vezes, a responsabilidade de gerenciar a comunidade das marcas — falando de uma forma bem superficial, é claro. O importante aqui não é entrar em detalhes acerca do trabalho em si, mas ilustrar a tendência crescente e o desafio que é introduzir as comunidades na estratégia de negócio das empresas, para além do marketing.

Tendência crescente porque as comunidades, justamente por serem espaços de trocas e interação, representam uma força multiplicadora que pode fornecer métricas e insumos:

"Go-to-community helps build positive-sum relationships beyond just sales. And perhaps most importantly, it uplevels the very notion of community from something that’s purely company-centric and transactional(…)" — Andreessen Horowitz

Instagram estilo moodboard da Glossier — @glossier

Um bom exemplo da utilização do efeito comunidades na estratégia de negócio é feita pela marca Glossier desde 2019— famosa por criar futuras linhas de produtos direct-WITH-consumer, através da construção de pequenas comunidades ao redor delas.

Com um feed de Instagram mais semelhante a um moodboard do que uma plataforma de vendas, ao mesmo tempo em que o populavam com posts de produtos, eles implementavam uma estratégia CRM baseada em um fato conhecido sobre comportamento de consumidor: as pessoas vão trocar seus dados por recebidos grátis.

Além desse exemplo, muitas outras marcas embarcaram no modelo Go-To-Community, criando desde Product Cults (Notion, Repl.it, Clubhouse) até Community-based customer discovery (Modern Sales Pro + Atrium, Commchat + Commsor, and CMX + Bevy, and Dreamforce + Salesforce). Aqui tem um excelente artigo sobre isso, se te interessar.

Por fim, comunidade é um símbolo de reorientação.

O efeito comunidade é mais do que uma superficialidade de contato entre pessoas. Ele oferece uma mudança na perspectiva de como buscamos credibilidade em relação às nossas decisões e consumo. Uma posição ocupada pela figura do vendedor de forma unanime, antes de termos tanto acesso à informação.

E os cursos online, por sua vez, estão com os dias contados porque já temos insumos suficientes para reinventá-los de uma forma mais inteligente que acompanhe o nosso conhecimento acerca das comunidades e seus benefícios. Construir produtos a partir delas não é algo benéfico somente do ponto de vista de quem aprende e consome, mas também de quem cria.